O mundo é mais fácil do que se
pensa e mais difícil do que se pode explicar.
O paradoxo dessa afirmação reside no
fato de que tudo o que podemos falar sobre o mundo, não é nada do mundo, ele
mesmo. Todavia, o mais próximo que se pode chegar dessa relação entre falar e
apreender o mundo, está nos mitos.
O mito surge entre os antigos
analogamente ao aparecimento da linguagem. Era a maneira de dar razão aos
fenômenos naturais, o nascer do sol ou a chuva que caia. O mito em sua essência
é uma tentativa de explicar o homem em si. Decifre o mito e estará
decifrando a si mesmo.
Os mitos resultam diferentes de uma
sociedade pra outra. Mas sua essência é a mesma e inteligível para todas as
comunidades. Alguns temas são, portanto, recorrentes em diferentes culturas,
diversos mitos.
Toda sociedade tem ou teve, por
exemplo, seu mito de criação e destruição e divindades que de uma forma ou de
outra desempenham papéis semelhantes. Os mitos fazem então, a estruturação
social creditada à função paterna. Dão sentido a essa função.
São, por isso, vetores totêmicos de
aglutinação dos grupos humanos submetidos à civilização. Entende-se totem aqui
como uma representação simbólica da função paterna que só existe porque há um
mito que explica sua razão de estar lá. Entender isso é começar a sacar como o
mundo funciona; como funcionamos nele, como nos articulamos com ele.
Na pós-modernidade temos uma falência
de grandes estruturas totêmicas que nos explicavam o mundo. Instituições como
igreja, a família como constituição tradicional, escola, Estado, partidos
políticos, o fim das grandes utopias. Com isso o que se tem são outras
entidades fazendo esse papel de forma mais contundente, sendo as marcas um
grande exemplo disso.
Sarah Palin (política dos Estados
Unidos e autora), por exemplo, tem a imagem pública desdobrada competentemente
de sua vida pessoal – simultaneamente ex-modelo e líder administrativa livre da
influência masculina; não é difícil identificar aí uma articulação do mito de
Atlanta, a corredora bela que nunca se deixava vencer pelos homens. Shakespeare
utiliza a mesma estrutura em sua obra “A Megera Domada” (The Taming of the
Shrew). Crentes de poderem eventualmente domá-la, alguns machos se permitem seduzir
por ela.
Mais flutuante do que o acadêmico, o
publicitário contemporâneo pode tanto reproduzir mitos para sustentar uma
campanha política quanto para a popularização do iPhone
Apple
Como
explicar que um smartphone é desejável antes mesmo de serem conhecidos seus
recursos, apenas porque há nele o logo de uma maçã?
Comunicação
eficiente que nestes casos articulam desejos inconscientes para todos.
Articulam os mesmos mitos essenciais com os quais Claude Lévi-Strauss pode –
sem falar português ou qualquer língua indígena – conviver, conversar e ser
admirado pelos povos nativos que conheceu. Os mitos têm linguagem universal.
Algo das publicidades, também. A construção da marca contemporânea consiste
então, em dar significados particulares a estes valores universais.
Os mitos pensam os homens antes que estes
saibam dos mitos.
Isso serve
também para as marcas. Por isso, um abacaxi mordido não atenderia aos desejos
inconscientes que uma macã mordida pode evocar. A maçã seduziu Eva, Hera, Vênus
e Atena, os homens vieram depois da primeira mordida. Quem não desejaria,
então, possuir tal maçã? Freud perguntou: O que quer a mulher? Steve Jobs deu a
melhor resposta: Uma maçã que capture os desejos masculinos. É mais do que o
hardware. É publicidade capturando o mito.
A Vitória de
Samotrácia (do gr. NIKE) é o exemplo mais óbvio. Símbolo de que a batalha é
apenas para os fortes, suas asas terminam por constituir o logo estilizado da
empresa de artigos esportivos.
JOHNNIE WALKER E PROMETEU
Quando
Johnnie Walker passou seu legado ao filho, Alexander e este aos sucedâneos, o
mantra “Keep Walking” estava já
inscrito à marca. O mito do herói que morre, mas passa seu legado vem desde os
gregos. Prometeu foi o primeiro. O jovem Feidípedes ao correr na batalha de
Marathôn / Marathónas e pagar com a vida por isso. Demonstra que o homem teme a
morte, mas teme mais a vergonha de ser esquecido.
Prometeu,
na mitologia grega, foi aquele que criou o homem e também foi aquele que lhe
ensinou o fogo.
Fogo é uma
simbologia para conhecimento e com o conhecimento o homem foi capaz de coisas
incríveis. Foi capaz primeiramente de andar em pé, sair do chão e olhar para
frente. E olhando para frente foi capaz de inventar coisas, aperfeiçoar
ferramentas, ou seja, progredir.
O mito de
Prometeu é um dos mais emblemáticos para nossa cultura. Ele é poderosíssimo no
sentido que é na sua essência o desejo universal de todos nós, sermos melhores
do que somos hoje. De não nos conformarmos com o bom e procurarmos o ótimo.
BOLSONARO, O MITO... A MARCA
O primeiro
passo do ser humano para a criação do sobrenatural foi com a natureza, onde o
mito era algo maior, e o humano um mero instrumento ao bel-prazer dos deuses da
natureza. A quantidade de religiões mortas que devem ter existido e hoje não
são conhecidas por falta de registro deve ser enorme. Conforme a tecnologia e o
conhecimento do ser humano foram evoluindo, ele deixou de ter um comportamento
tribal para se assentar e desenvolver a agricultura.
A relação
com os deuses também mudava, pois agora o ser humano começava a entender o
funcionamento do mundo e seu poderio sobre a natureza desabrochava. A partir de
então, começávamos a entender o que os seres superiores queriam de nós.
Com o
estabelecimento das primeiras civilizações, a guerra ideológica dos mitos era
vencida pelas crenças que tinham mais adeptos. Os mitos criados
começavam a ganhar ares de religião formal. O apogeu das primeiras grandes
civilizações, como a mesopotâmica e a egípcia, teve muito a ver com o sucesso
das religiões com os adeptos cada vez mais numerosos. Isso foi elevado
exponencialmente com a invenção da escrita.
Cada vez
mais o mito deixava de ser algo assustador e temido para tornar-se curioso e
respeitado. Os adeptos buscavam mais conhecimento, e os intermediários
entre os mortais e os divinos ficaram mais numerosos. As religiões
convertiam-se em forças motrizes para o arrebanhamento de fiéis e manipulação
de multidões.
Sem entrar
numa discussão de religiões, é inegável que a maior parte delas (se não todas) evoluiu
de crenças simples elaboradas ou recebidas de alguma forma por um grupo pequeno
de indivíduos de milhares anos atrás.
Como pudemos
ver, a essência do mito está incrustada em todos nós e os marketeiros da
campanha de Bolsonato tiveram a sensibilidade de captar isso. Claramente havia
a incrível coincidência de que o nome em si já era um signo de progresso para a
construção do mito, de uma marca forte que vende tudo. Sabemos que o mito é
criado antes que as pessoas o percebam e neste caso, ao que parece, a
personificação do pensamento de milhões de pessoas sobre vários temas como
religião; sexualidade; segurança; equidade de gênero, raça e cor; dentre
outros, estava em um único homem: Bolsonaro.
Criou-se a
necessidade premente de a população se ver livre da corrupção no país (e isto é
legítimo) atribuindo a uma sigla partidária e seus membros toda a
responsabilidade pelas mazelas nacionais. Tudo isso expressado na cor vermelha,
símbolo de tudo o que é ruim para a sociedade, ao mesmo tempo em que se
valorizam os símbolos nacionais como a bandeira. Ou seja: vermelho é mal e
amarelo é bom. Além disso, mesmo nunca tendo sido uma nação socialista – O Brasil
é capitalista na economia e democrático na política – criou-se a caracterização
de que os maus são, além de vermelhos, socialistas e fundamentalistas marxistas,
enquanto que o modelo neoliberal imperialista (no sentido de domínio econômico internacional)
estadunidense é o objetivo a ser atingido pela sociedade brasileira com o “apoio”
do também midiático Trump.
O mito é
uma projeção da psique humana frente ao “desastre”, tentando dessa forma
explicá-lo ou tornar aquele fenômeno mais pessoal, de forma ao indivíduo
assimilar melhor a experiência a ser vivida.
Saber qual o
melhor momento para aderência do mito e qual seria a melhor “marca” para o
eleitorado aderir não deve ter sido fácil e nem rápido. A construção do mito
muitas vezes é executada sem que seu símbolo máximo tenha conhecimento disso.
Bolsonaro talvez nunca tenha imaginado chegar aonde chegou depois de 30 anos de
vida publica inexpressiva e possivelmente, mesmo “mitando” pelas redes sociais,
não tenha a exata noção de onde está neste momento e a importância de manter acesa
a chama do mito para que o planejamento antes determinado seja levado a cabo.
Um mito não
é um conto de fadas ou uma lenda.
Um mito é
diferente de lenda, porque uma lenda pode ser uma pessoa real que concretizou
feitos fantásticos, como Pelé, Elvis Presley, Einstein etc. Um mito é um
personagem criado, como Zeus, Hércules, Hidra de Lerna, Fênix...