quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Desejo, necessidade e vontade

Lendo um artigo no jornal “Mulher 24 horas”, do sindicato dos bancários do ES, com o título “Consumo: entre o desejo e a necessidade”, de autoria de Marcos Kahtalian, professor de Especialização em Comunicação Publicitária pela Unicamp, deparei-me com o que chamo de distorção sobre nocividade do consumo.

Alguns trechos: “ Por que o ato de comprar um aparelho celular, por exemplo, é mais valorizado do que a compra de produtos de necessidade básica para a sobrevivência do indivíduo?

Esse é um fenômeno da sociedade moderna capitalista, na qual o desejo, estimulado pelo mercado, se sobrepõe à necessidade ou é transformado pelo mercado numa necessidade.” Diferentemente do animal, que se guia pelo instinto, o ser humano busca o seu desejo, e qualquer objeto pode funcionar nesse mundo de fantasia como o que vai completá-lo, trazer-lhe a plenitude, o gozo. Só que isso é impossível, diz Antonio Carlos Félix das Neves, psicólogo.

O objeto desejado busca suprir uma falta estrutural do ser humano, o preenchimento de um vazio”.
Ainda, segundo Félix: “O mercado fala: goza, goza, mas não pergunta se pode.

As consequências são o isolamento, as relações superficiais, a falta de tempo para a familia e doenças como depressão”
-

(Meus, os destaques)


O psicólogo Abraham H. Maslow, o mais conhecido especialista em comportamento humano e motivação, teve seus livros de psicologia atingindo os domínios dos negócios e da gerência com a sua Hierarquia das Necessidades.
Entende-se que a motivação é o resultado dos estímulos que agem com força sobre os indivíduos, levando-os a ação.

Para que haja ação ou reação é preciso que um estímulo seja implementado, seja decorrente de coisa externa ou proveniente do próprio organismo. Esta teoria nos dá idéia de um ciclo, o Ciclo Motivacional. Assim, quando os estímulos ou impulsos são internos ao indivíduo são chamados de motivação.


A teoria de Maslow é conhecida como uma das mais importantes teorias de motivação. Para ele, as necessidades dos seres humanos obedecem a uma hierarquia, ou seja, uma escala de valores a serem transpostos. Isto significa que no momento em que o indivíduo realiza uma necessidade, surge outra em seu lugar, exigindo sempre que as pessoas busquem meios para satisfazê-la.

Poucas ou nenhuma pessoa procurará reconhecimento pessoal e status se suas necessidades básicas estiverem insatisfeitas.
Dentre as necessidades fisiológicas determinadas por Maslow, também objeto de estudo por Taylor, em seus Princípios da Administração Cientifica, onde anunciou que o indivíduo têm necessidades que vão além das puramente financeiras, há as necessidades mais elevadas (as necessidades de auto realização).

“A necessidade de auto-realização não se extingue pela plena saciação. Quanto maior for a satisfação experimentada por uma pessoa, tanto maior e mais importante parecerá a necessidade (Hampton,1992).”

As necessidades fisiológicas e de segurança são consideradas mais básicas (biológicas e instintivas), sendo as mais primitivas do ser humano. São essenciais para a sobrevivência de qualquer indivíduo ou organismos, mas fatores psicológicos e inconscientes interferem no modo como cada indivíduo irá buscar a satisfação dessas necessidades. Podemos pensar em uma necessidade exagerada por mecanismos de segurança (cadeados, alarmes contra roubos etc.), uma pessoa pode estar sendo motivada a adquiri-los por fatores psíquicos como uma neurose.

Uma pessoa também é muitas vezes levada a alimentar-se exageradamente por compulsão por comida (há pessoas que também aumentam o apetite quando ansiosas), ou ser levada a matar sua fome com um Big Mac por necessidade de prestígio social, que relaciona-se com a auto-estima.
Qual o parâmetro para se determinar o alcoolismo? Qual o parâmetro para se determinar a compulsão por compras?

Isso pode explicar a citação feita anteriormente sobre desejos não realizados como conseqüência de frustrações ou “preenchimento de vazios”.
Balela dizer que o mercado clama pelo consumo sem perguntar se o consumidor pode comprar. Um dos preceitos de mercado é que ele exista.

Ou seja: só há consumo se existir quem compre. Dessa forma, o comportamento “doentio” de determinados consumidores não pode refletir o todo.
Por que não posso usar um telefone celular para suprir minha necessidade de comunicação? Teria de usar sinal de fumaça? Agora, de ter um aparelho celular de 100,00 para satisfazer tal necessidade a outro de 1.000,00, para a mesma função, vai muita diferença e isso deixa de ser necessidade e passa a ser desejo de possuir algo que vai me destacar no grupo.

É o aspecto cultural de cada indivíduo.
Uma das partes mais interessantes do artigo em questão é a afirmação de que existe uma carência de referências simbólicas para o indivíduo, seja o poder simbólico de uma instituição, do Estado, de um sindicato ou da lei. Vai além, dizendo que o que prevalece hoje é o “vale-tudo” do mercado que oferece kits de identidade.

Se, segundo seus autores, o homem é refém de um mercado de consumo, o que dizer de ser refém de “muletas” religiosas? Dezenas de seitas ou igrejas das mais diversas fundamentações vendem desde água milagrosa do Rio Jordão até a segurança celestial no pós-morte.

O que dizer de líderes sindicais como Lula que recentemente disse que a esquerda é coisa antiquada. Coisa do passado? E tudo o que ele pregou até agora? E FHC quando disse: “esqueçam tudo o que falei no passado”? Onde estão as referências simbólicas de um Estado que convive com a miséria humana com total indiferença?
Deixemos a hipocrisia pseudo anti capitalista de lado e sejamos mais coerentes como seres humanos que consomem e comungam de princípios éticos.

Não confundam este profissional de marketing com o “marqueteiro” que aproveita temas religiosos como o natal para induzir o consumo desigual diante daqueles que não podem partilhar das mesmas “comemorações”.


Robert Pulmam disse em seu livro: “Bowling Alone”:


“Comunidade, comunhão e comunicação estão estreitamente relacionadas até do ponto de vista etimológico. A comunicação é um pré-requisito fundamental para conexões sociais e emocionais.”(citando os meios de comunicação eletrônicos). Então, fazemos conexões sociais no dia-a-dia e no consumo de desejos e necessidades.


A música “Comida”, do Titãs, resume muito bem tudo isso:

Bebida é água.
Comida é pasto. Você tem sede de que? Você tem fome de que? A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida, A gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, A gente quer a vida como a vida quer. Bebida é água. Comida é pasto. Você tem sede de que? Você tem fome de que? A gente não quer só comer, A gente quer comer e quer fazer amor. A gente não quer só comer, A gente quer prazer pra aliviar a dor. A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro, A gente quer inteiro e não pela metade.


Paulo Rubini é Consultor de Marketing.

Um comentário:

  1. No filme "Os Sem Floresta", a raposinha leva a tartaruguinha até o topo da cerca viva e explica pra ela a diferença básica entre eles (animais) e os outros (os humanos): "Nós comemos pra viver; eles vivem pra comer", disse a raposa indicando um horizonte todo iluminado por totens de restaurantes pop do tipo McDonalds.
    Entre o que queremos e o que precisamos há um hiato, um misto entre aspectos psicológicos, culturais e históricos. Enxergar por entre tudo isso é que "é o bicho". Abçs, Ale

    ResponderExcluir

Obrigado pelo comentário.