sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quando a dívida é a alma do negócio

venda de carteira
Jornal Diário do Comércio 08/09/2010 - Fernanda Pressinott


A inadimplência acima de 360 dias é calculada em R$ 40 bilhões de acordo com dados do Banco Central (BC) e consultorias especializadas. É um dinheiro considerado perdido ou muito custoso para ser resgatado por  empresas que precisam cobrar clientes com atraso no pagamento. Uma alternativa aos que não desejam despender muitos recursos ou sair do objetivo principal do negócio é vender essa carteira de pessoas que estão inadimplentes.

Estima-se que esse tipo de comércio movimente cerca de R$ 20 bilhões no País neste ano. Em 2009, com a crise econômica, os negócios decaíram e foram movimentados apenas R$ 10 bilhões (veja gráfico).

Mas quem vende e quem compra essas carteiras? Quais são as vantagens? Os vendedores são grandes conglomerados financeiros, varejistas, escolas, universidades, companhias de energia ou qualquer outra empresa que tenha que gerenciar o não pagamento de serviços ou produtos.

A vantagem principal em se livrar da carteira de clientes em atraso é antecipar os recebíveis e, dessa forma, trazer resultados financeiros a valor presente. Por isso, a venda de carteiras de inadimplentes é feita geralmente no terceiro trimestre do ano, antes do fechamento do balanço.

Custos – Outros motivos para esse comércio são dar atenção aos clientes produtivos e deixar de lado os que estão "atrapalhando" o negócio de forma a reduzir custos operacionais. "Algumas companhias mantêm enormes centros de cobrança com muitos funcionários e uma infraestrutura desnecessária para o negócio. Isso deixa de existir ou diminui consideravelmente com a venda dos inadimplentes", afirmou o sócio da WitRisk – consultoria especializada em gestão de risco – Ricardo Kalichsztein.

Nos Estados Unidos, o comércio de carteiras é comum e acontece até mesmo antes da inadimplência, apenas para que as empresas mantenham-se no objetivo principal do negócio. Mas a operação pode ser feita com inadimplentes de 90 dias, 180 dias ou o prazo que a empresa preferir.

Além dos benefícios já mencionados, as instituições financeiras particularmente podem usar os recursos antecipados para oferecer novos créditos aos clientes sem bater no índice de Basileia (que mede a solvência dos bancos levando em consideração os ativos comercializados e o patrimônio líquido da instituição).

Compradores – Do outro lado, os compradores são empresas especializadas nesse mercado, companhias de cobrança, private equities e bancos de investimento. No Brasil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, as empresas de cobrança atuam às vezes como intermediárias na negociação e não na ponta final.

Eles estão interessados no que pode ser considerado o grupo dos piores clientes e apostam que têm mais eficiência na cobrança que a provedora de produtos ou serviços. São empresas com modelos estatísticos avançados, operação eficiente, funcionários mais capacitados e voltados apenas em reativar o pagamento. "Companhias de cobrança também ganham na escala.  É melhor comprar uma carteira para aproveitar as posições físicas, os funcionários, os pacotes de telefonia, entre outros", disse Kalichztein.

Os fundos e private equities também compram as carteiras para lançar derivativos e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICS). Outra forma de aquisição é por meio de fusões e aquisições, nas quais a carteira entra na composição dos ativos negociados.

O Santander costuma negociar  clientes em recuperação no mundo todo e, no Brasil, já fez oito vendas de carteira com status de prejuízo. "Fazemos para antecipar os resultados financeiros e temos tido sucesso", afirmou um funcionário, que preferiu não se identificar, no C4 - Congresso de Cartões e Crédito ao Consumidor, realizado na semana passada, em São Paulo.

O banco vende as carteiras por meio de leilão. Antecipadamente, calcula os custos operacionais e o fluxo de caixa da carteira sob negociação e define o preço. Para garantir que o comprador tratará os clientes com idoneidade, sem manchar a imagem da instituição, um contrato rigoroso é assinado entre as partes e é dado um aviso aos correntistas sobre a situação da cobrança.

A Telefônica realizou uma venda de carteira no fim de 2007, mas a diretoria da operadora não considerou os resultados satisfatórios. "Os riscos são grandes no atendimento ao cliente. Não sabemos se, ao colocar a carteira na mão do investidor, ele seguirá as regrasda Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que regulamenta nosso serviço", disse um funcionário da empresa que participou da venda da carteira, mas que também não pode se identificar.

Procuradas, as assessorias do Santander e Telefônica não se manifestaram até o fechamento desta edição.

Em função do mercado brasileiro ainda ser pequeno em comparação com o da Europa e dos Estados Unidos, o comércio de carteiras entre empresas de pequeno e médio portes é quase inexistente. "Elas não organizam dados e os compradores ficam impossibilitados de precificar as carteiras. Mas é um negócio interessante para qualquer tipo de empreendimento, até mesmo para lojinhas de bairro que têm alto índice de inadimplência", afirmou Kalichsztein.

A precificação da carteira é complexa e leva em conta os prováveis recebíveis em um período determinado – que varia de um a cinco anos – trazidos pelo fluxo de caixa a valor presente.

Processo de venda por meio de leilão:

- A empresa faz uma análise da carteira
- Define preços preliminarmente
- Prepara uma carta-convite a ser distribuída no mercado
- Estrutura um data room (espaço virtual com a documentação para análise dos compradores)
- O comprador faz carta de intenção de compra com o preço que acha adequado
- As ofertas são avaliadas pelo vendedor
- Um contrato jurídico é assinado e são estabelecidas as diretrizes da operação
- A vendedora acompanha a migração da carteira e o atendimento aos ex-clientes
- É estabelecido um fluxo de informações entre as partes

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