quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Michael Porter mostra como resolver o desafio de incorporar a responsabilidade social na estratégia da empresa

Muitas organizações monitoram seus investimentos sociais e publicam relatórios de sustentabilidade. Poucas empresas, entretanto, integram as questões sociais e ambientais em sua estratégia, de maneira a reforçar a vantagem competitiva para o negócio. Essa foi a avaliação de Michael Porter, um dos mais conceituados especialistas em estratégia do mundo, ao falar para uma platéia brasileira durante o Fórum Mundial de Estratégia, realizado em São Paulo pela HSM.

Diretor do Institute for Strategy and Competitiveness, da Harvard Business School, Porter vê três fases na história da responsabilidade social empresarial. Na primeira, as empresas reagiam às pressões exercidas pela sociedade, como campanhas feitas por organizações não-governamentais em defesa do meio ambiente ou contra a discriminação racial. Na segunda fase, que vivemos agora, as ações estão voltadas para a filantropia e para o investimento social privado, havendo também uma preocupação com a imagem da empresa. A terceira, que está começando agora, é a da responsabilidade social estratégica. "É a responsabilidade social do valor compartilhado, em que se cria valor tanto para a sociedade quanto para os negócios", afirma Porter. Para chegar a ela, segundo Porter, é preciso descobrir onde os impactos das atividades da empresa são substanciais e quais os ambientes externos que a afetam. "A partir daí, identificamos as poucas áreas em que podemos fazer uma grande diferença. É nesse ponto que a RSE começa a ser eficiente", diz Porter.

Atualmente, de acordo com Porter, há quatro justificativas básicas para que uma empresa desenvolva ações de responsabilidade social: obrigação moral, sustentabilidade, licença para operar e reputação. Todas elas, entretanto, estão mais direcionadas a minimizar conflitos e não criam valor - nem econômico, nem social - para o negócio. Por isso, segundo ele, a RSE é reativa, em vez de criar uma agenda positiva, além de pouco focada. As empresas investem em diversos tipos de projetos, que têm muito pouco a ver com seu negócio, apenas por reagirem a pressões sociais. Algumas se preocupam demais em ficar bem colocadas nas pesquisas de avaliação de empresas feitas por algumas organizações. Segundo Porter, isso é um erro: "A preocupação com esses rankings colocou nossa estratégia de RSE na mão dos outros". As quatro justificativas - obrigação moral, sustentabilidade, licença para operar e reputação - estão mais focadas na tensão entre os negócios e a sociedade do que na interdependência entre eles. Deixar-se guiar por elas pode levar a equívocos. "Essas linhas genéricas dão pouca orientação específica ou prioridades para as ações das empresas", avalia.

Para Michael Porter, incorporar a responsabilidade social à estratégia significa incluir a dimensão social à proposta de valor da empresa. Isso começa pela mudança de mentalidade: "Pensar a economia e a questão social separadamente é um terrível erro. Precisamos de boas condições sociais e ambientais, caso contrário a empresa poderá ter sucesso por um ou dois anos, mas não no longo prazo". Segundo ele, há três pontos fundamentais que as empresas devem entender sobre seu papel em relação às questões sociais. Primeiro: as empresas não podem resolver todos os problemas sociais, nem arcar com o custo de fazê-lo. Segundo: as empresas precisam abordar sua agenda social de maneira proativa e estratégica. Terceiro: as empresas precisam agir nas questões sociais em que podem agregar maior valor.

De acordo com Michael Porter, o desafio de cada empresa é descobrir em que áreas ela pode criar valor com suas competências. Para implementar uma agenda social corporativa, o primeiro passo é perceber as categorias da atuação com responsabilidade social, segundo a definição de Porter:

- Questões sociais gerais. Embora importantes, não são diretamente afetadas pelas atividades da empresa nem têm influência na competitividade no longo prazo. Estão ligadas à boa cidadania corporativa;

- Impactos sociais na cadeia de valor. É preciso definir as áreas nas quais a empresa tem grande impacto social ou ambiental, como grande consumo de água, produção de efluentes, utilização de madeira como matéria-prima ou realização de testes de produtos em animais;

- Dimensões sociais do contexto competitivo. Deve-se perceber em que medida os ambientes externos afetam a empresa. Para um fabricante de automóveis, por exemplo, um fator importante é a condição das ruas e estradas no mercado em que opera.

Um dos grandes equívocos que as empresas cometem, segundo Michael Porter, é aplicar a maior parte de seus recursos em ações de boa cidadania corporativa. Segundo ele, esse investimento deveria corresponder a menos de metade dos gastos nessa área. A estrutura destinada a direcionar a aplicação de dinheiro doado ou trabalho voluntário deve ser simples e pode ser deixada sob controle de um comitê de funcionários, e não de um grande departamento da empresa. "Os funcionários sabem melhor onde e como querem colaborar. Doe o dinheiro e deixe que eles resolvam", aconselha Porter.

Para começar a pensar a responsabilidade social de maneira estratégica, o primeiro passo é olhar a cadeia de valor da empresa e descobrir que aspectos sociais e ambientais sofrem maior impacto de suas atividades. É o caso, por exemplo, da emissão de poluentes ou da possibilidade de que algum fornecedor explore trabalho infantil. Mitigar os impactos negativos, sociais ou ambientais, é obrigação, e algo que deve ser feito tendo como base as melhores práticas do mercado.

A partir daí, segundo Michael Porter, o grande salto da incorporação da responsabilidade social à estratégia acontece nas áreas em que a empresa pode fazer uma grande diferença. Para explicar o que isso significa, ele cita o exemplo da atuação da Nestlé na região de Moga, na Índia, desde 1962. As condições locais eram de extrema pobreza, degradação ambiental e má saúde do gado leiteiro. A Nestlé implantou centrais de compra de leite nas cidades e investiu no que Porter classifica de "aperfeiçoamento do contexto competitivo". Ofereceu assistência técnica aos fazendeiros, enviando equipes de veterinários, nutricionistas e agrônomos. Promoveu cursos de treinamento aos produtores e melhorou o fornecimento de água aos animais, por meio de ajuda técnica e financeira para a perfuração de poços.

Hoje, a Nestlé compra leite de mais de 75 mil fazendeiros daquela região, que, segundo Porter, apresenta melhores condições sociais e um padrão de vida superior ao de regiões semelhantes da Índia. "Esse trabalho da Nestlé causou um impacto fenomenal na vida das famílias e no meio ambiente e diminuiu as doenças causadas pela água poluída. Foi um impacto social de grandes proporções, e eles não fizeram isso com um programa de caridade", avalia Porter. "Isso é responsabilidade social estratégica, é valor compartilhado. Não é ter uma boa colocação em rankings nem mostrar para quantas entidades a empresa doa dinheiro - é o impacto social do próprio negócio."


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