domingo, 6 de janeiro de 2019

ENTENDENDO O MITO E SUA FUNÇÃO


O mundo é mais fácil do que se pensa e mais difícil do que se pode explicar.

O paradoxo dessa afirmação reside no fato de que tudo o que podemos falar sobre o mundo, não é nada do mundo, ele mesmo. Todavia, o mais próximo que se pode chegar dessa relação entre falar e apreender o mundo, está nos mitos.

O mito surge entre os antigos analogamente ao aparecimento da linguagem. Era a maneira de dar razão aos fenômenos naturais, o nascer do sol ou a chuva que caia. O mito em sua essência é uma tentativa de explicar o homem em si. Decifre o mito e estará decifrando a si mesmo.

Os mitos resultam diferentes de uma sociedade pra outra. Mas sua essência é a mesma e inteligível para todas as comunidades. Alguns temas são, portanto, recorrentes em diferentes culturas, diversos mitos.

Toda sociedade tem ou teve, por exemplo, seu mito de criação e destruição e divindades que de uma forma ou de outra desempenham papéis semelhantes. Os mitos fazem então, a estruturação social creditada à função paterna. Dão sentido a essa função.

São, por isso, vetores totêmicos de aglutinação dos grupos humanos submetidos à civilização. Entende-se totem aqui como uma representação simbólica da função paterna que só existe porque há um mito que explica sua razão de estar lá. Entender isso é começar a sacar como o mundo funciona; como funcionamos nele, como nos articulamos com ele.

Na pós-modernidade temos uma falência de grandes estruturas totêmicas que nos explicavam o mundo. Instituições como igreja, a família como constituição tradicional, escola, Estado, partidos políticos, o fim das grandes utopias. Com isso o que se tem são outras entidades fazendo esse papel de forma mais contundente, sendo as marcas um grande exemplo disso.

Sarah Palin (política dos Estados Unidos e autora), por exemplo, tem a imagem pública desdobrada competentemente de sua vida pessoal – simultaneamente ex-modelo e líder administrativa livre da influência masculina; não é difícil identificar aí uma articulação do mito de Atlanta, a corredora bela que nunca se deixava vencer pelos homens. Shakespeare utiliza a mesma estrutura em sua obra “A Megera Domada” (The Taming of the Shrew). Crentes de poderem eventualmente domá-la, alguns machos se permitem seduzir por ela.

Mais flutuante do que o acadêmico, o publicitário contemporâneo pode tanto reproduzir mitos para sustentar uma campanha política quanto para a popularização do iPhone

Apple

Como explicar que um smartphone é desejável antes mesmo de serem conhecidos seus recursos, apenas porque há nele o logo de uma maçã?
Comunicação eficiente que nestes casos articulam desejos inconscientes para todos. Articulam os mesmos mitos essenciais com os quais Claude Lévi-Strauss pode – sem falar português ou qualquer língua indígena – conviver, conversar e ser admirado pelos povos nativos que conheceu. Os mitos têm linguagem universal. Algo das publicidades, também. A construção da marca contemporânea consiste então, em dar significados particulares a estes valores universais.
Os mitos pensam os homens antes que estes saibam dos mitos.

Isso serve também para as marcas. Por isso, um abacaxi mordido não atenderia aos desejos inconscientes que uma macã mordida pode evocar. A maçã seduziu Eva, Hera, Vênus e Atena, os homens vieram depois da primeira mordida. Quem não desejaria, então, possuir tal maçã? Freud perguntou: O que quer a mulher? Steve Jobs deu a melhor resposta: Uma maçã que capture os desejos masculinos. É mais do que o hardware. É publicidade capturando o mito.
A Vitória de Samotrácia (do gr. NIKE) é o exemplo mais óbvio. Símbolo de que a batalha é apenas para os fortes, suas asas terminam por constituir o logo estilizado da empresa de artigos esportivos.

JOHNNIE WALKER E PROMETEU

Quando Johnnie Walker passou seu legado ao filho, Alexander e este aos sucedâneos, o mantra “Keep Walking” estava já inscrito à marca. O mito do herói que morre, mas passa seu legado vem desde os gregos. Prometeu foi o primeiro. O jovem Feidípedes ao correr na batalha de Marathôn / Marathónas e pagar com a vida por isso. Demonstra que o homem teme a morte, mas teme mais a vergonha de ser esquecido.

Prometeu, na mitologia grega, foi aquele que criou o homem e também foi aquele que lhe ensinou o fogo.

Fogo é uma simbologia para conhecimento e com o conhecimento o homem foi capaz de coisas incríveis. Foi capaz primeiramente de andar em pé, sair do chão e olhar para frente. E olhando para frente foi capaz de inventar coisas, aperfeiçoar ferramentas, ou seja, progredir.

O mito de Prometeu é um dos mais emblemáticos para nossa cultura. Ele é poderosíssimo no sentido que é na sua essência o desejo universal de todos nós, sermos melhores do que somos hoje. De não nos conformarmos com o bom e procurarmos o ótimo.

BOLSONARO, O MITO... A MARCA



O primeiro passo do ser humano para a criação do sobrenatural foi com a natureza, onde o mito era algo maior, e o humano um mero instrumento ao bel-prazer dos deuses da natureza. A quantidade de religiões mortas que devem ter existido e hoje não são conhecidas por falta de registro deve ser enorme. Conforme a tecnologia e o conhecimento do ser humano foram evoluindo, ele deixou de ter um comportamento tribal para se assentar e desenvolver a agricultura.

A relação com os deuses também mudava, pois agora o ser humano começava a entender o funcionamento do mundo e seu poderio sobre a natureza desabrochava. A partir de então, começávamos a entender o que os seres superiores queriam de nós.

Com o estabelecimento das primeiras civilizações, a guerra ideológica dos mitos era vencida pelas crenças que tinham mais adeptos. Os mitos criados começavam a ganhar ares de religião formal. O apogeu das primeiras grandes civilizações, como a mesopotâmica e a egípcia, teve muito a ver com o sucesso das religiões com os adeptos cada vez mais numerosos. Isso foi elevado exponencialmente com a invenção da escrita.

Cada vez mais o mito deixava de ser algo assustador e temido para tornar-se curioso e respeitado. Os adeptos buscavam mais conhecimento, e os intermediários entre os mortais e os divinos ficaram mais numerosos. As religiões convertiam-se em forças motrizes para o arrebanhamento de fiéis e manipulação de multidões.

Sem entrar numa discussão de religiões, é inegável que a maior parte delas (se não todas) evoluiu de crenças simples elaboradas ou recebidas de alguma forma por um grupo pequeno de indivíduos de milhares anos atrás.

Como pudemos ver, a essência do mito está incrustada em todos nós e os marketeiros da campanha de Bolsonato tiveram a sensibilidade de captar isso. Claramente havia a incrível coincidência de que o nome em si já era um signo de progresso para a construção do mito, de uma marca forte que vende tudo. Sabemos que o mito é criado antes que as pessoas o percebam e neste caso, ao que parece, a personificação do pensamento de milhões de pessoas sobre vários temas como religião; sexualidade; segurança; equidade de gênero, raça e cor; dentre outros, estava em um único homem: Bolsonaro.  

Criou-se a necessidade premente de a população se ver livre da corrupção no país (e isto é legítimo) atribuindo a uma sigla partidária e seus membros toda a responsabilidade pelas mazelas nacionais. Tudo isso expressado na cor vermelha, símbolo de tudo o que é ruim para a sociedade, ao mesmo tempo em que se valorizam os símbolos nacionais como a bandeira. Ou seja: vermelho é mal e amarelo é bom. Além disso, mesmo nunca tendo sido uma nação socialista – O Brasil é capitalista na economia e democrático na política – criou-se a caracterização de que os maus são, além de vermelhos, socialistas e fundamentalistas marxistas, enquanto que o modelo neoliberal imperialista (no sentido de domínio econômico internacional) estadunidense é o objetivo a ser atingido pela sociedade brasileira com o “apoio” do também midiático Trump.  
O mito é uma projeção da psique humana frente ao “desastre”, tentando dessa forma explicá-lo ou tornar aquele fenômeno mais pessoal, de forma ao indivíduo assimilar melhor a experiência a ser vivida.

Saber qual o melhor momento para aderência do mito e qual seria a melhor “marca” para o eleitorado aderir não deve ter sido fácil e nem rápido. A construção do mito muitas vezes é executada sem que seu símbolo máximo tenha conhecimento disso. Bolsonaro talvez nunca tenha imaginado chegar aonde chegou depois de 30 anos de vida publica inexpressiva e possivelmente, mesmo “mitando” pelas redes sociais, não tenha a exata noção de onde está neste momento e a importância de manter acesa a chama do mito para que o planejamento antes determinado seja levado a cabo.  

Um mito não é um conto de fadas ou uma lenda.

Um mito é diferente de lenda, porque uma lenda pode ser uma pessoa real que concretizou feitos fantásticos, como Pelé, Elvis Presley, Einstein etc. Um mito é um personagem criado, como Zeus, Hércules, Hidra de Lerna, Fênix...

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