quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Como vender para a base da pirâmide

Excelente entrevista concedida a Paulo Henrique Amorim pelo publicitário André Torreta, que abriu uma agência de publicidade especializada no mercado voltado para consumidores de baixa renda. Ele disse em entrevista que 80% da população brasileira estão na chamada base da pirâmide (com renda mensal de até R$ 1,3 mil).

80% de uma população como a nossa, que são 170 milhões de pessoas, estamos falando em média de cerca de 130 milhões de pessoas. Que eles comprem R$ 1 de um produto já significa R$ 130 milhões. Qualquer coisa multiplicada por 130 milhões é muita coisa”, disse Torreta (clique aqui para ouvir o áudio).

Torreta disse que o poder de compra das famílias de baixa renda aumentou muito com o crescimento do PIB brasileiro e os programas sociais do Governo Lula.

Segundo Torreta, as empresas precisam se adaptar a esses consumidores de baixa renda. “(As empresas) descobrem que vender para a classe baixa tem uma tecnologia diferente. Eu vou entregar uma geladeira na Rocinha. Como eu faço para entregar essa geladeira na Rocinha? Tem problema de logística, de entrega, de distribuição”, disse Torreta.

André Torreta disse que as empresas de varejo vão começar a se instalar em áreas que concentram os consumidores de baixa renda. “A gente vai ter no Brasil uma grande mudança dos varejos, que é os varejos começando a entrar nas comunidades... A gente vai ter que ter o Pão de Açúcar no Alemão, como já tem o Bradesco e o MacDonald’s na Rocinha”, disse Torreta.

Leia a íntegra da entrevista com André Torreta:

Paulo Henrique Amorim – André, a primeira pergunta é a seguinte. Você ficou louco?

André Torreta – Não, (risos) estou vendendo para o Brasil.

Paulo Henrique Amorim - Por que você resolveu entrar nesse mercado da favela? Que história é essa?

André Torreta – Na verdade o mercado não é só favela, 80% da população brasileira estão na base da pirâmide.

Paulo Henrique Amorim – O que você chama de base da pirâmide?

André Torreta – Aqui no Brasil a gente considera menos de R$ 1,3 mil de renda familiar por mês.

Paulo Henrique Amorim – Sei. E 80% dos brasileiros ganha menos de R$ 1,3 mil/mês. E esse pessoal compra?
André Torreta - ... E muito!

Paulo Henrique Amorim – Muito?

André Torreta – 80% de uma população como a nossa, que são 170 milhões de pessoas, estamos falando em média do que? De cerca de 130 milhões de pessoas. Que eles comprem R$ 1 de um produto já significa R$ 130 milhões. Qualquer coisa multiplicada por 130 milhões é muita coisa.

Paulo Henrique Amorim – São mais ou menos três Argentinas.

André Torreta – É mais ou menos isso. Ainda soma-se a isso, o nosso PIB está crescendo maravilhosamente, os programas de assistência social do Governo Lula também está aumentando o poder de consumo deles.

Paulo Henrique Amorim – Você é do PT ou não?

André Torreta – Não, não sou do PT.

Paulo Henrique Amorim – Não vota no PT?

André Torreta – Não. Não voto, meu título é de Salvador e eu moro em São Paulo.

Paulo Henrique Amorim – Então você não vota. Nem em Salvador você votava no ACM?

André Torreta – Nem em Salvador eu votava no ACM (risos).

Paulo Henrique Amorim – Mas então vamos lá, você descobriu esse mercado como?

André Torreta – Eu estou nesse mercado desde 2001 fazendo algumas consultorias e esse ano, o negócio começou a aumentar, e resolvi montar uma empresa.

Paulo Henrique Amorim – Você era de onde?

André Torreta - Eu trabalhava muito com marketing político. Por isso até que eu tenho essa convivência e essa experiência com as classes C e D, que é quem vota no país, que é 80% da população.

Paulo Henrique Amorim – Você trabalhou como em que?

André Torreta – Em marketing político eu trabalhei na campanha do José Sarney no ano passado, trabalhei na campanha de Roseana Sarney, trabalhei na campanha de Eduardo Paes.

Paulo Henrique Amorim – Eduardo Paes lá no Rio?

André Torreta – Isso. Fiz essas três campanhas e ao longo do tempo, porque é assim, você tem uma experiência muito grande quando está na iniciativa pública é com a base da pirâmide, com essas pessoas. Você tem que entrar nas comunidades, você tem que saber qual é a lógica deles. Na verdade, eu estou transportando essa experiência para a iniciativa privada.

Paulo Henrique Amorim – Agora, qual é a dimensão desse consumo da base da pirâmide, André? Me dá uma idéia do que é que você está falando.

André Torreta – Estou falando em mais de, em bens não-duráveis, 45% do consumo brasileiro.

Paulo Henrique Amorim – Bem durável é televisão, geladeira, computador é isso?

André Torreta – Tire automóvel e casa própria, o resto tudo é bem não-durável.

Paulo Henrique Amorim – Não-durável?

André Torreta – Não-durável. Então você tem... A gente está falando de 80% da população que consome, em média, de 40% a 50% dos produtos produzidos no país. Isso é um movimento mundial que está acontecendo, que começa no Brasil a partir de 94 com o Plano Real e você tem o movimento do BRIC, não é, Brasil, Rússia, Índia e China, que são os quatro países que estão à frente desse processo, que é dessa nova classe econômica, dessa nova fronteira econômica. Para você ter uma idéia, nós temos consultores indianos vindo para o Brasil para ensinando a vender para a classe baixa, o que é inadmissível.

Paulo Henrique Amorim – O que é incrível! Mas existe isso?

André Torreta – Existe.

Paulo Henrique Amorim – Como? Em que empresas?

André Torreta – Olha, você tem a WPP, que é uma grande multinacional de publicidade. Eles têm uma agência na Índia especializada nas classes C e D.

Paulo Henrique Amorim – Agora deixa eu te perguntar uma coisa, André. Essa agência está prestando serviços aqui no Brasil, é isso?

André Torreta – Não, eles trazem consultorias para cá. Porque, na verdade, esse é um mercado novo. Esse mercado surgiu quando, em 89 a queda do muro de Berlim transforma os comunistas em consumidores. A abertura da China você transforma comunistas em consumidores, na América Latina você tem os planos neoliberais, acaba a hiperinflação e nos transforma também em consumidores, deixamos de ser os mercados marginais para ser os mercados emergentes. E o que é que eles descobrem? Que vender para a classe baixa tem uma tecnologia diferente. Eu vou entregar uma geladeira na Rocinha, como é que eu faço para entregar essa geladeira na Rocinha? Tem um problema de Logística aí, de entrega, de distribuição. A classe média toda tem o pé direito do seu apartamento tem 2,2 metros, é o padrão brasileiro, mas em Heliópolis eles não têm esse padrão.

Paulo Henrique Amorim – Qual é a campanha fundamental entre a campanha de um produto para um consumidor acima desses R$ 1,3 mil reais por mês e o consumidor abaixo de R$ 1,3 mil por mês?

André Torreta – Você começa com o problema de educação do nosso país. Nós temos hoje 33 milhões de analfabetos funcionais, são pessoas que lêem, mas não entendem. Então vamos na televisão e colocam um letreiro na televisão, essa comunicação já não vai funcionar. Por isso que você tem as televisões a cabo passando, tirando a legenda e dublando, porque se não a TV a cabo não entra na classe C. Você tem a questão da moral, a moral da classe C é um pouco mais à direita do que da classe alta.

Paulo Henrique Amorim – A classe C é mais conservadora do ponto de vista de atitudes e moral?

André Torreta – Em todos os pontos de vista.

Paulo Henrique Amorim – Agora, deixa eu te perguntar uma coisa, está tudo muito bom, está tudo muito bem, mas você tem cliente?

André Torreta – Tenho.

Paulo Henrique Amorim – As empresas estão preocupadas com isso ou elas acham que um anúncio vende para a classe A, B, C, D e E?

André Torreta – Primeiro, não só as agências, você começa a ter a preocupação dos clientes que esse é um problema não apenas de comunicação. A própria confecção do produto, a própria distribuição, a própria lógica ela muda completamente. Você teve no começo mês nos Estados Unidos um grande evento chamado “The Next Four Billions”, Os Próximos Quatro Bilhões, onde foi discutido exatamente como é que foi esse novo sistema de negócio. Então, na verdade, se você quer fazer negócio com o Brasil você pode fazer com o nicho, que são para os 20% que somos nós, que moramos nas ilhas de Manhatan, ou para o Brasil de verdade, como a Folha de São Paulo chama, o Brasil profundo, os 80%.

Paulo Henrique Amorim – Onde a Folha de São Paulo não vende.

André Torreta - Aliás, nenhum jornal vende. Então, esse outro Brasil, que é o Brasil de verdade que a gente precisa começar a entender antes que os indianos venham para cá e digam para a gente como é que é o Brasil.

Paulo Henrique Amorim – Sim, mas a minha pergunta foi a seguinte, você tem empresa já como clientes, a tua empresa está ganhando dinheiro, se for para a Bolsa eu devo comprar ações da Ponte?

André Torreta – Eu acho que sim, porque vender para os 20% todo mundo já vende, é um mercado saturado.

Paulo Henrique Amorim – Mas como é que são os seus clientes?

André Torreta – Olha, de clientes eu tenho agências de propaganda, onde eu faço capacitação das pessoas para que elas entendam o que é a classe C e estou desenvolvendo três projetos para clientes que querem entrar nas comunidades, o que os americanos chamam de conexões não usuais. Eu preciso vender meu produto em Capão Redondo, como é que eu entro em Capão Redondo? Eu falo que é a mesma coisa do que você entrar na Vila Nova Conceição. Na Vila Nova Conceição tem um cara lá de terno e gravata, armado, perguntando para onde você vai e pede a sua carteira de RG. Então você tem que ter uma tecnologia para entrar na Nova Conceição como você tem que ter uma tecnologia para entrar em Capão Redondo, uma network especial. Eu estou desenvolvendo um trabalho para um cliente quer entrar, começar a fazer revenda pelas comunidades.

Paulo Henrique Amorim – Você viu que a Nestlé tem uma diretoria chamada base da pirâmide, você tem ouvido falar em outras empresas que tenham isso?

André Torreta – Olha você tem as multinacionais, elas começam a ter ou departamentos ou pessoas especializadas nisso. E como esse mercado é muito novo, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, não existe uma lógica construída, uma ciência. Marketing é experiência reunida. Bem, se você vê que aqui no Brasil você começa a ter base da pirâmide consumidora a parti de 94, é um adolescente de 13 anos. Então, somos todos nós tentando entender como é que funciona essa lógica.

Paulo Henrique Amorim – Qual é o melhor veículo para se chegar nessa base da pirâmide?

André Torreta – Se você tiver em Recife, na periferia é a anúncio-cleta.

Paulo Henrique Amorim – (risos) Anúncio-cleta é ótimo.

André Torreta – Que é uma bicicleta uma bicicleta com um auto-falante.

Paulo Henrique Amorim – E aqui em São Paulo?

André Torreta – Aqui em São Paulo está complicado porque sem a mídia exterior, o melhor meio hoje é começar pelas rádios comunitárias. Porque a rádio comunitária ela tem por traz de si uma associação, rádio comunitária legal obviamente.

Paulo Henrique Amorim – Se eu quiser vender ventilador no Alemão, como é que eu faço, lá no Rio?

André Torreta – Ventilador no Alemão, primeiro é você fazer uma conexão não usual para ter sua loja lá. O primeiro problema desse cara, ele mora do Complexo do Alemão, ele tem que pegar um ônibus que custa R$ 2 de ida e R$ 4 de volta para comprar alguma coisa, porque não tem loja lá. Se ele vai fazer uma compra no supermercado, o ticket médio de uma classe C é de R$ 10, então ele já gastou 40% do que ele vai gastar em supermercado em transporte, só na condução. Então a gente vai ter no Brasil agora uma grande mudança nos varejos, que é os varejos começando a entrar nas comunidades.

Paulo Henrique Amorim – Então quer dizer que a gente vai ter o Pão de Açúcar no Alemão.

André Torreta – Na gente vai ter o Pão de Açúcar no Alemão, assim como você já tem o Bradesco na Rocinha, o Mc Donalds na Rocinha e tem academia de ginástica na Rocinha.

Paulo Henrique Amorim – Quer dizer que as agências de publicidade vão ter que sair da Berrini e do Shopping Iguatemi?

André Torreta – Infelizmente não é, porque todo mundo acha mais gostoso freqüentar o Iguatemi do que o Capão Redondo. Mas é o Brasil, meu amigo. Sejamos todos bem-vindos ao Brasil.

Paulo Henrique Amorim – Ao novo canto do Brasil, é isso?

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